Migrar além da Vaga: Continuidades e Descontinuidades em Relatos Biográficos de Pessoas Migrantes Brasileiras em Portugal

Neste capítulo, ao libertar o fenómeno das migrações de uma perspetiva limitada aos Estados-nação e ao conceito essencialista de “vaga”, abrimos um espaço multidimensional para a expressão do lugar de fala das pessoas migrantes brasileiras em Portugal, sobre a sua visão do mundo e experiências de migração;

Este trabalho desafia as hierarquias sociais que definem que determinados tipos de migrantes sejam percebidos como menos “humanos” e menos merecedores de direitos. Interrogar e desnaturalizar tais assimetrias contribuem para pavimentar o caminho da mudança para um mundo mais justo; O caso abordado é o do fluxo migratório de pessoas brasileiras do Brasil para Portugal. Este fluxo tem vindo a ser perspetivado na literatura científica como composto por diferentes “vagas”, desde a década de 80 do século XX até aos últimos anos. Ao longo de todos esses momentos históricos, foram sendo criadas, pelas próprias pessoas migrantes, narrativas para descrever a sua experiência migratória e a vida noutro país. É nessas narrativas autobiográficas que nos focamos, com o objetivo de identificar as continuidades e descontinuidades narrativas que surgem no processo mnemónico das pessoas migrantes em momentos históricos distintos deste fluxo migratório;

Este capítulo apresenta uma análise de Histórias de Vida das pessoas migrantes brasileiras em Portugal recolhidas em diferentes momentos históricos e em contextos de investigação distintos: entre 2010 e 2012, no âmbito do projeto de investigação “Narrativas Identitárias e Memória Social: a (re)construção da lusofonia em contextos interculturais”,¹ e entre 2020 e 2021, no âmbito da investigação “As narrativas da imigração entre o relato biográfico e o discurso mediático: o caso da imigração brasileira recente em Portugal”;

Recorremos à análise temática das entrevistas, resultando numa divisão temática que congrega tópicos que versam sobre os laços culturais entre Brasil e Portugal, as dinâmicas de negociação identitária, as questões linguísticas, o preconceito e a discriminação social. Entre os resultados, observou-se a importância da afetividade e da ligação direta com familiares portugueses na decisão de migrar nas primeiras “vagas”, sendo os laços culturais mais tênues em “vagas” mais recentes uma possível causa que se prende com dificuldades de adaptação e quebra de expectativas pós-migração. Também as dinâmicas identitárias mudaram, com narrativas mais recentes que mostram uma maior assimilação da “cultura portuguesa”. Sobre o preconceito e discriminação social, aponta-se para uma mudança na perceção dessas situações, resultando em fenómenos como a inversão da responsabilidade e a culpabilização das pessoas migrantes pela discriminação sofrida.

Referência:

Posch, P., Cabecinhas, R., & Macedo, I. (2025). Migrar além da Vaga: Continuidades e Descontinuidades em Relatos Biográficos de Pessoas Migrantes Brasileiras em Portugal. In J. Topa, V. Duarte, E. Silva, & A. Guerreiro (Eds.), Migrações Contemporâneas, Direitos Humanos e Justiça (pp. 179–201). Pactor.